quarta-feira, novembro 30, 2005

Final

final do ano
hora da arrumação
sacudir o pano
renovar a intenção

Texto: O Resto Imortal

do livro "Gozo Fabuloso", de Paulo Leminski.

Queria não morrer de todo. Não o meu melhor. Que o melhor de mim ficasse, já que sobre o além sou todo dúvida. Queria deixar aqui neste planeta não apenas um testemunho da minha passagem, pirâmide, obelisco, verbetes numa obscura enciclopédia, campos onde não crescem mais capim.
Queria deixar meu processo de pensamento, minha máquina de pensar, a máquina que processa meu pensamento, meu pensar transformado em máquina objetiva, fora de mim, sobrevivendo a mim.
Durante muito tempo, cultivei esse sonho desesperado.
Um dia, intui. Essa máquina era possível.
Tinha que ser um livro.
Tinha que ser um texto. Um texto que não fosse apenas, como os demais, um texto pensado. Eu precisava de um texto pensante. Um texto que tivesse memória, produzisse imagens, raciocinasse.
Sobretudo, um texto que sentisse como eu.
Ao partir, eu deixaria esse texto como um astronauta solitário deixa um relógio na superfície de um planeta deserto.
Claro que eu poderia ter escolhido um ser humano para ser essa máquina que pensasse como eu penso. Bastava conseguir um aluno. Mas pessoas não são previsíveis. Um texto é.
A impressão do meu processo de pensamento não poderia estar na escolha das palavras nem no rol dos eventos narrados. Teria que estar inscrito no próprio movimento do texto, nos fluxos da sua dinâmica, traduzido para o jogo de suas manhas e marés.
Um texto assim não poderia ser fabricado nem forjado. Só poderia ser desejado. Ele mesmo escolheria, se quisesse, a hora de seu advento.
Tudo o que eu poderia fazer nessa direção era estar atento a todos os impulsos, mesmo os mais cegos, nunca sabendo se o texto estava vindo ou não.
Era óbvio, um texto assim teria, no mínimo, que levar uma vida humana inteira. Na melhor das hipóteses.
Uma questão colocou-se desde o início. A tensão da espera de um tal texto poderia ser o maior obstáculo para seu surgimento. Quanto a isto, não havia solução. A questão teria que ser vivida em nível de enigma e conflito, sigilo e dissimulação.
Evidentemente que o texto que resultasse desse estado deveria, por força, reproduzí-lo em sua essencial perplexidade. A máquina-texto que surgisse não seria um todo harmonioso, já que a harmonia só convém às coisas mortas. O que eu pretendia era uma coisa viva, uma vida que me sobrevivesse. E a vida é contraditória.
Não sei mais de esse texto virá. Ou se já veio.
Tudo o que quero é que, se vier, se lembre de mim tanto quanto eu soube desejá-lo.

Música Do Coração: Quase Nada

Zeca Baleiro e Alice Ruiz

de você sei quase nada
pra onde vai ou porque veio
nem mesmo sei
qual é a parte da tua estrada
no meu caminho
será um atalho
ou um desvio

um rio raso
um passo em falso
um prato fundo
pra toda fome que há no mundo
noite alta que revele
o passeio pela pele
dia claro madrugada
de nós dois não sei mais nada
(de você sei...)
se tudo passa como se explica
o amor que fica nessa parada
amor que chega sem dar aviso
não é preciso saber mais nada

quarta-feira, novembro 23, 2005

Citação: Eu

"Minha herança será a descoberta de quem eu sou..."

Dicionário De Sentimento: Medo

Segundo o grande Aurélio
(ê). [Do lat. metu.]
S. m.
1. Sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo real ou imaginário, de uma ameaça; susto, pavor, temor, terror.
2. V. receio (1 e 2).

Segundo eu
Morrer de sede ou ser devorada por uma multidão de insetos. Verdade! Tenho pavor de morrer seca, estorricada. Ou ser abduzida por insetos cruéis, os mesmos habitantes da floresta em frente ao meu quarto. Tudo bem... Eu poderia temer a solidão, a pindaíba, até a frigidez!?! Mas não. Nada nesse universo paralelo tira-me o terror desses seres malígnos e da água que faz a falta... (suspiro!) Trauma? Também nem quero descobrir!!! :)

Reticência

Dia desses
alguém
perguntou:
"O que você
levaria

pra uma
ilha?"

"Difícil
isso!",
falei.
Não é.
E pensei.
O que seria
indispensável
aqui
estando
ou
acolá
vivendo?
Investiguei.
Sem pressa.
Lá no fundo
de mim.
Descobri
que somente
é preciso
paciência,
coragem
e fé.
E mais
nenhuma
reticência.

terça-feira, novembro 22, 2005

Palavras Desenhadas


Falta me faz sentir que não sou sua
Angústia me incomoda por saber
Que você (ainda!) não me quer
Suas palavras desenhadas
Trazem daí a minha serenidade
Até quando não dizem
Nenhum respeito a mim
...

Nossa Receita

Hoje, numa dessas minhas peculiares horas de devaneio, você existiu em mim. Sim! Tão distante, mas tão dentro do meu ser que fiquei tonta, sorrindo uma felicidade modesta, inesperada, no meio da rua. Olhei pros lados. Eu, cercada do mundo. Era minha a emoção. Apenas alguns segundos e éramos um. Você em mim. Eu por você. Nossas vidas, nós dois. Imaginação correndo solta! Casa na montanha. Escritos e instintos. Filhos e plantas. Filmes e músicas. Água fresca. Nossa receita perfeita! Cheia de luz. De Sol e de Lua. De nós dois. Mesmo sendo minha fantasia. Ou até mesmo singela poesia...

domingo, novembro 20, 2005

Mundo Completo

Quisera eu merecer
A possilibidade do seu amor
Pra me fazer entender
E viver isso de cor

Quisera eu crer
No sentimento ardente
Nesse imenso prazer
Na satisfação constante

Quisera eu responder
À aflição do meu peito
Essa vontade de te ter
Aqui, assim, no meu leito

Quisera eu tão somente ser
Seu destino, seu trajeto
E escrever que, com você,
O meu mundo está
completo.

terça-feira, novembro 15, 2005

Pátria

Sou país sem fronteiras
Em minha incompletude
Amistosa e enfurecida
Abrigo de incansáveis dores
Nos vestígios de emoção
Vindas de todas as épocas
Sou pátria de mim
De particulares maneiras
Sou área independente
Curiosa e calejada
Comunhão dos amores
Sou território em questão
Porto de idas e trocas
Pelo não e pelo sim
Nascente de clareiras
À procura de liberdade
Sou região temperada
Sou extensão das cores
Acompanhante da solidão
Sou zona das livres barcas
Até o meu inevitável fim...

segunda-feira, novembro 14, 2005

Texto: Decepção

Cida Villela

Suave, serenamente,
Eu hoje acordei poesia.
Passei o meu dia versando você,
Olhava em seus olhos,
Distantes dos meus,
E a cada olhar,
Por demais atento,
Brotavam, em pensamento,
Versos que seriam seus.

Então desejei amar você.
Juntar palavras a te definir.
Mas antes que eu conseguisse
Definir-te em versos,
Com um simples gesto,
Mero falar,
Conseguiste de súbito
Meus versos quebrar.

Bem-Vinda

Ainda estou aqui
Pensando no acordo
Que vida e morte
Fazem existir

As cláusulas da vida
Referem-se ao amor e ao ódio
Como sentidos inseparáveis
Na chegada e na partida

As regras vividas
São claras e indecisas
Quanto mais se faz
Às vezes se paga

As normas vivas
Variam nas gentes
Ora esquecidas
Horas dormentes

A morte é ida
Documento tácito
Bem-vinda
Um mero descaso

Meu Coração É Monumento

No tempo em que me nota
Dos segundos faço horas
Como se todo o mundo
Cessasse por nós dois

Tão raros minutos
Torno-me pura e plena
Limpo os meus pecados
Aprendo a sentir amor

Essa alegria sublime
Afugenta o egoísmo
Que habita o meu peito
Enquanto não sou a única

E na distância desumana
As palavras são história
Em compasso com o céu
Alimentam minha alma

Alguns experimentam
Me confundir, me domar
Mas é você o morador
O guia dentro de mim


E quando vai embora
Meu coração é monumento
Erguido em sua memória
Esperando você voltar

Só Às Vezes

Às vezes,
Encontro o agasalho de que preciso.

Às vezes,
Desvendo os motivos pra tudo isso.

Às vezes,
Lanço mão de um ou outro artifício.

Às vezes,
(só às vezes)
Eu me conformo com a sua ausência...

domingo, novembro 13, 2005

Meu Par


Se eu pudesse escolher
Um alguém pra amar
Seria você esse bem
Você seria o meu par

Texto: Aprenda A Dizer Adeus

Antonio Gala

A vida é uma complicada sequência de separações, um rumor de mãos nervosas dizendo adeus. Nós abandonamos cidades, casas, corpos, pessoas que amamos e pessoas que deixamos de amar, a solidão e o companheirismo, as convicções e as fraquezas. Viver é dizer adeus a si mesmo constantemente.

(El Manuscrito Carmesi - Editora Planeta, Cidade do México)

sábado, novembro 12, 2005

Texto: Se

Alice Ruiz

se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra
eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto

ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio

daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...

Maldade Em Mim

Sei que não se escolhe
Nascer bom ou ruim
Nem mesmo a idade
De ser assado ou assim
Mas é que na verdade
No meio dessa lei carmesim
Descobri que existe maldade
Tamborilando em mim
Essa tal de bondade
Disfarçada em marfim
Não passa de crueldade
Defendendo-me assim
Com fervorosa lealdade
Da realidade-estopim
Tanto na claridade
Quanto no enfim.

Texto: Suicida

Carla Dias

Seria suicídio
se eu levantasse, derrubasse os lençóis
e dançasse?
Os homens dançam
enquanto doem!
Enquanto caçam uma lembrança
para transformá-la
em virtual realidade.
Será que você entende?
Você que me escuta
sem pluralizar minhas palavras?
Você, tão cuidadoso com seu dia,
sem querer desperdiçá-lo
com instantes...
Seria um milagre
se eu revirasse as gavetas
e encontrasse um sonho?
Onde eu pudesse cantar,
exorcizar o silêncio...
Venha...
Venha dançar e acredite,
ainda sei encontrar alguém
e olhar dentro dos olhos dele!
Ainda...

Música Do Coração: Alguém Como Tu

by Gal Costa
(José Maria De Abreu / Jair Amorim)

Alguém como tu
Assim como tu
Eu preciso encontrar
Alguém sempre meu
De olhar como o teu
Que me faça sonhar
Amores eu sei
Na vida eu achei
E perdi
Mas nunca ninguém desejei
Como desejo a ti
Se tudo acabou
Se o amor já passou
Há de um sonho ficar
Sozinho estarei
E alguém eu irei procurar
Eu sei que outro amor posso ter
E um novo romance viver
Mas sei que também
Assim como tu
Mais ninguém

quarta-feira, novembro 09, 2005

Desnorteada

Ai de mim! que sou um rio
Lágrimas que inundam
Minha alma encharcada
Os temores perduram
Completamente desnorteada
Nas águas do profundo vazio.

Ai de mim! que sou falha
Num mar de mesmos erros
No meio da correnteza
Entrando em desespero
Afogando na incerteza
E tudo por essa migalha.

Ai de mim! que estou tão triste
Naufragando nessas dores
Oceanos de angústia
De laços e tremores
Esperando a anistia
Escolhendo a semente.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Brincadeira Com O Fogo

De novo!
a brincadeira com o fogo
que faz arder no meu peito
a vontade louca de sentir
o desejo em brasas de viver
o juízo insano do prazer
Aquela chama clara do incerto
que queima tudo por perto
remoendo tudo lá dentro
fazendo a ilusão parecer
uma grande e intensa diversão
Lembro uma menina
decorada com cicatrizes
assim, antigas
atrizes
cantando velhas cantigas
desses atos de calor
nesse profundo sabor
salpicado pelas cores
inspiradas no amor
Só pra receber os aplausos
do cúmplice das minhas dores
no final do espetáculo
E tão rápida quanto a flama
a cortina de fecha, afinal
e
a vida (re)volta ao normal...