sábado, abril 30, 2005

Texto: A Lucidez Perigosa

(Clarice Lispector)

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.

Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
– já me aconteceu antes.

Pois sei que
– em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade –
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

O Meio, O Começo, E O Fim

Em meio ao caos, o fôlego. O sopro que reanima. Sustenta. Encoraja a seguir. Preciso ir. Sair do incômodo estar. Procurar o lugar pra respirar o ar puro. Seguro. Onde estará? Virá? Não sei. Protelei o sonho que rabisquei. E espero. Paciente e bordejante. A harmonia? A alegria? Ninguém deixa. Tudo é queixa. Ofensa e descrença. Por quê? Pra quê? Vou correr. Fugir pra longe daqui. Refletir. Quem sabe, sorrir? Só quero ir, pra variar. Talvez mudar. Voltar aonde nunca fui e vagar e ficar aonde nunca passei. Errei? Não sei. E a canção? Ilusão? Não. É vida disfarçada. Calada. Sombria de dia e clara como a noite. Açoite. De repente distante. Inerte. Fantoche e deboche. Cadê o caramelo? Acabou a doçura? Amargura. Resta a pintura colorida com dor. Insípida. Borrada e marcada de medo. Cheia de dedos. Remendo os frangalhos. Escrevo a história. Carmim. É assim o preço do apreço. Desfaço o laço, passo a passo. Experimento o cansaço que me rendeu. Relembro o abraço que se perdeu. Desejo o beijo que não aconteceu. Vai me encontrar, o amor que nunca pretendi? Vai me atrair, o caminho que jamais reconheci? Sim. Fazem parte de mim. São o meio, o começo, e o fim...

quinta-feira, abril 28, 2005

Texto: Lua Alta

(Anna C. Pozza)
Lua alta
E por trás
De tantas nuvens
Brilham estrelas...

Aqui,
Por trás desta neblina,
Brilho também...
Sozinha
E acompanhada
De mim
E de mais ninguém...

Não direi mais nada
É o silêncio que mais convém...

Agradecida,
A Lua
Sussurra:
Amém...

terça-feira, abril 26, 2005

Penitências

No emaranhado de experiências
Encontrei o essencial.
Descobri que as penitências
Têm papel primordial.

São da alma a aflição,
A misericórdia do Senhor.
De curta ou longa duração,
Intentam sempre o amor.

São instantes de tortura
Que conduzem ao perfeito.
São divina censura
A qualquer malfeito.

A todo Espírito comum
São efeito merecido.
Se não houver bem algum
Será mesmo sofrido.

Tornar-se-ão menores
Quão maior a caridade.
Subestimadas as dores
Haverá a verdade.

E o ser purificado
Encontrará o Caminho,
E desfrutará maravilhado
Da infinda luz do Deus-Ninho.

domingo, abril 24, 2005

Texto: Horas Rubras

(Florbela Espanca)
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...

Oiço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p'las estradas...

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca e misteriosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

(Sonetos, Paisagem Editora, 1982 - Porto, Portugal)

De Onde Vem Essa Saudade?

De onde vem a saudade
Que ora me invade
Assim
Sem piedade?

De onde vem a saudade
Que ora me esconde
Assim
Sem identidade?

De onde vem a saudade
Que ora me divide
Assim
Sem metade?

Não tem cor, nem idade
Não é mentira, nem verdade
Enfim,
De onde vem essa saudade?

Momento Astrologia

O dia de hoje para você:
A Lua Cheia de Escorpião reaviva o seu amor pela vida e gera um desejo urgente de conhecer coisas novas que ampliem os seus horizontes e dêem um sentido maior às dificuldades e problemas do cotidiano. Você ainda não sabe para onde vai, mas já deve ter percebido que uma nova viagem está prestes a começar...
Recado dos astros para os cancerianos:
Com Saturno terminando sua passagem pelo seu signo você está fechando um ciclo que começou há sete anos atrás. Faça um esforço para se lembrar do que você queria da vida em 1998...
Céu de hoje para todos os signos:
O domingo amanhece sob o efeito de uma bonita configuração astrológica. A Lua Cheia recebe as boas influências de Vênus e de Urano e nos fala simbolicamente de um momento raro no amor. Aquele em que o afeto e o sentimento e a posse são equilibrados pelo respeito aos desejos e necessidades do outro. Um tempo em que o amor convive com a liberdade.
A semana para Câncer:
A Lua cheia de Touro/Escorpião alegra e estimula sua maneira de olhar a vida. Apesar de estar entrando numa fase muito introspectiva você vai poder ver com muita clareza o que espera do futuro e o que é necessário fazer no presente.

(http://delas.ig.com.br/horoscopo/cancer.html)

Então tá, né?
:)

sábado, abril 23, 2005

Texto: O Anjo Magoado

(Ilka Brunhilde Laurito)
Que foi dele
depois que lhe quebraram as asas?
Que foi dele
depois que lhe contaram
que no seu ombro havia carne?
Parou tristonho de voar.
E olhou estupefato para os pássaros.
Só viu as próprias lágrimas
e acreditou que o espaço se houvera transformado em aquário.

E pôs-se a nadar rumo à pátria.
Pensava: "Que largo mar seco de praias!"
E em volta de si mesmo esvoaçava os braços
num esboço de viagem.
Então mirou-se
no último olhar de poça d'água
e descobriu seu rosto
pálido
lavado
com algumas gostas de suor e orvalho.
Vestiu tremendo o corpo claro
sentiu pudor de sua nudez de asas.
Procurou por todo o espaço
perscrutou a enxurrada.
Pensou: "Ah, elas sim reconquistaram as aves".

E ancorou seu pranto na saudade.

(Anjos Poéticos, Editora Nova Alexandria, 1995 - S. Paulo, Brasil)

Tuas, Minhas, Nossas

Palavras tuas
Desnudam meu ser
Espelham minh'alma
Reviram meu íntimo.
Palavras minhas
Confundindo os verbos
Unindo os versos
Presumindo a poesia.
Palavras nossas
Silenciam a dor
Vedam o temor
Embalam, enfim
O mútuo desejo de amor.

sexta-feira, abril 22, 2005

Texto: Lua Adversa

(Cecília Meireles)
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...